Nos últimos anos, vários novos termos emergiram no vocabulário dos relacionamentos modernos: “olhante”, “conversante”, “contatinho”, “ficante”… Em resumo, todos são um “quase algo”. Ou seja, alguém que não é um relacionamento formal, um namoro. Um “quase algo” é uma relação amorosa que não tem rótulo definido e se situa em algum lugar entre uma amizade e um relacionamento sério. Embora possa parecer uma maneira descomplicada de se conectar com alguém sem o peso de um compromisso formal, o término de uma quase-algo pode ser surpreendentemente doloroso. Mas por que isso acontece? Vamos explorar os fatores emocionais, psicológicos e biológicos que contribuem para a dor intensa associada ao fim de “algo que poderia ter sido mas não foi”.
A incerteza constante
Uma das principais características de um quase algo é a incerteza. As pessoas envolvidas muitas vezes não sabem exatamente onde estão ou para onde estão indo. Essa ambiguidade pode levar a uma constante sensação de ansiedade e insegurança. Quando o quase algo termina, a ausência de clareza pode amplificar a dor. Não houve um rótulo ou um compromisso claro, então pode parecer que não há uma justificativa legítima para a tristeza, o que pode dificultar o processo de luto.
Pesquisas como a de Knobloch e Solomon (2002) mostram que a incerteza sobre o status de um relacionamento pode aumentar a ansiedade e o estresse, afetando negativamente a saúde mental dos indivíduos envolvidos. A incerteza leva a comportamentos de busca de informações e a sentimentos de insegurança que prolongam o sofrimento emocional.
A esperança de algo mais
Muitas vezes, as pessoas entram em um relacionamento casual com a esperança de que eventualmente evolua para algo mais sério. De qualquer modo, quando essa esperança do relacionamento evoluir é frustrada, pode haver um sentimento de perda não apenas pelo que existia, mas pelo que poderia ter sido. Desse modo, esse luto pelo futuro imaginado pode ser tão doloroso ou até mais que a dor de um fim de relacionamento sério.
A conexão emocional
Independentemente do rótulo, as conexões emocionais formadas a partir de constantes encontros informais podem ser profundas. Em outras palavras, a intimidade emocional e, em muitos casos, física cria laços fortes. O hormônio oxitocina, conhecido como o “hormônio do amor”, é liberado durante momentos de intimidade e cria um vínculo emocional profundo entre as pessoas. Portanto, dentro de um relacionamento assim também é possível criar uma espécie de dependência emocional. Portanto, quando essa conexão é rompida, o corpo sente a falta da oxitocina, o que pode levar a sentimentos intensos de tristeza e solidão.
Estudos como o de Carter (1998) exploram o papel da oxitocina na criação e manutenção de vínculos emocionais. A interrupção desses vínculos pode levar a uma queda nos níveis de oxitocina, resultando em sentimentos de tristeza e desconexão emocional.
A falta de encerramento
Em um relacionamento formal, há geralmente uma conversa de término que proporciona um sentido de encerramento. Em contrapartida, em um quase algo, essa conversa pode nunca acontecer. Assim, falta de um término claro pode deixar muitas questões sem resposta, aumentando o sentimento de confusão e prolongando a dor emocional. Por fim, a ausência de encerramento pode fazer com que a pessoa continue a se questionar sobre o que deu errado e o que poderia ter feito de diferente, mantendo-a presa em um ciclo de auto-reflexão dolorosa.
Pesquisas de Slotter e Gardner (2009) indicam que a falta de clareza sobre o relacionamento pode dificultar a formação de uma narrativa coerente sobre o término, prolongando o sofrimento emocional.
A percepção de rejeição
O término de qualquer tipo de relacionamento pode desencadear sentimentos de rejeição, mas em um relacionamento informal, esses sentimentos podem ser ainda mais intensos. Como resultado, a rejeição percebida em um quase algo pode tocar em medos profundos de inadequação e não ser digno de amor. Dessa forma, isso pode levar a uma diminuição da autoestima e aumentar a dor emocional sentida durante o término.
Estudos sobre rejeição social, como o de Williams (2007), mostram que a rejeição pode ativar as mesmas áreas do cérebro associadas à dor física, sugerindo que a dor emocional de ser rejeitado é comparável à dor física.
Comparação com relacionamentos formais
As “situationships” muitas vezes são vistas como menos significativas do que os relacionamentos formais, tanto pelas pessoas envolvidas quanto pela sociedade em geral. Desse modo, essa desvalorização pode fazer com que a pessoa sinta que sua dor não é válida ou legítima. Por fim, essa percepção pode dificultar que a pessoa busque o apoio necessário para processar suas emoções, o que pode prolongar o sofrimento.
A dor invisível
A sociedade tem uma compreensão e um reconhecimento mais claros do término de relacionamentos formais. Assim sendo, há um conjunto de normas e expectativas sobre como alguém deve se sentir e agir após um término. Por outro lado, no caso de um quase algo, a dor pode ser invisível para os outros, o que pode fazer com que a pessoa se sinta isolada em seu sofrimento. A falta de reconhecimento social da dor pode fazer com que a pessoa internalize seus sentimentos, dificultando ainda mais o processo de cura.
Conclusão
O término de um quase algo pode ser doloroso por uma variedade de razões, incluindo a incerteza constante, a esperança de algo mais, a profunda conexão emocional, a falta de encerramento, a percepção de rejeição, a comparação com relacionamentos formais e a dor invisível. Reconhecer e validar esses sentimentos é o primeiro passo para a cura. É importante lembrar que, independentemente do rótulo ou da falta dele, suas emoções são válidas e merecem ser tratadas com cuidado e compaixão. Se você está passando por um término de um relacionamento informal, não hesite em buscar apoio de amigos, familiares ou de um profissional de saúde mental. Você não está sozinho, e a dor que sente é legítima.
Referências
- Knobloch, L. K., & Solomon, D. H. (2002). Information seeking beyond initial uncertainty: Partner knowledge and anxiety in conversations about shared activities. Human Communication Research, 28(2), 243-257.
- Carter, C. S. (1998). Neuroendocrine perspectives on social attachment and love. Psychoneuroendocrinology, 23(8), 779-818.
- Williams, K. D. (2007). Ostracism: The kiss of social death. Social and Personality Psychology Compass, 1(1), 236-247.
- Slotter, E. B., & Gardner, W. L. (2009). Where do you end and I begin? Evidence for anticipatory, motivated self–other integration between relationship partners. Journal of Personality and Social Psychology, 96(6), 1137-1151.