No dia 16 de fevereiro terminou de uma forma inusitada o Globo Esporte no Ceará. Em resumo, Kaio César, apresentador da TV Verdes Mares (afiliada da Rede Globo), pediu demissão ao vivo! Certamente, essa atitude abre um debate sobre os prejuízos que um ambiente de trabalho ruim pode provocar na saúde mental.
O vídeo
No vídeo ele diz que:
“Neste momento, estou pedindo demissão do sistema Verdes Mares. Não abro mão do respeito nem da dignidade para estar em lugar nenhum”
Assim, Kaio César, sem dar grandes detalhes, deixou muitas pessoas curiosas sobre os reais motivos do pedido de demissão.
A revelação do motivo
Kaio César revela que a atitude foi provocada pelo desconforto de ser assediado por muitos colaboradores, mas, em especial, por um dos diretores da emissora. Entretanto, ao longo de seu relato, ele não cita outro nome senão o do diretor do programa Paulo César Norões.
Ao diretor do programa, Kaio César atrabuiu uma série de prejuízos profissionais. Deste modo, Paulo Norões teria dificultado não só que Kaio César executasse alguns trabalhos, como também que não pudesse assumir alguns novos projetos dentro da empresa.
Como se não bastasse isso, Kaio César também relata situações em que também se sentiu desrespeitado. Tais agressões verbais teriam sido direcionadas a ele e também a pessoas de sua família. Portanto, o clima gerado por tais atitudes pareciam trazer angústia ao jornalista.
Saúde mental e ambiente de trabalho
Em determinado ponto de seu relato, Kaio César revela que:
“Quanto ao desgaste emocional, as pressões me deixaram no chão. Na Rússia, encarei uma crise emocional tão dura que, por Deus e pelas pessoas que amo, reconsiderei fazer o pior”.
Certamente, esta fala representa uma experiência pessoal profunda. Kaio César estava na Russia. Portanto, distante de seus familiares e amigos mais próximos. Além disso, vivenciava as mesmas relações de trabalho pouco saudáveis. Como resultado, chegou a cogitar a ideia do suicídio.
De maneira idêntica a Kaio César, muitas pessoas vivenciam sofrimentos emocionais em seus ambientes de trabalho. Isto é, experienciam um adoecimento emocional embora continuem no esforço diário de persistir em um trabalho que as machuca. Por consequência, terminam pedindo ajuda a profissionais de saúde mental. Deste modo, imaginam que a psicoterapia ou a farmacoterapia podem contribuir para suportar o ambiente hostil da vida laboral.
Uma opinião científica curiosa
Apesar disso, um artigo científico publicado recentemente revela que o ambiente de trabalho tem grande efeito no tratamento de depressão. Portanto, pessoas com engajamento em cargos de alto nível, com exigência de muitas habilidades cognitivas e sem suporte social respondem menos efetivamente ao tratamento. Em conclusão, estima-se que isso se dá porque o estresse do trabalho ocupa um papel significativo na vida destas pessoas.
MANDELLI, L., et al.
Opinion paper: Poor response to treatment of depression in people in high occupational levels.
Psychological Medicine, 49(1), 49-54. 2019.
(CLIQUE AQUI PARA ACESSAR O ARTIGO)
Não por acaso, esta realidade é muito observada em pessoas que procuram um psicólogo. Assim, ao longo do processo de acolhimento da psicoterapia, a pessoa tem uma oportunidade de aprofundar em si mesma. Deste modo, algumas confusões ganham esclarecimento e atitudes são tomadas. De fato, a psicoterapia e a farmacoterapia são grandes auxiliares da saúde mental. No entanto, nossos passos é que ditam o rumo de nosso bem estar.
Kaio César, com sua atitude, nos deu um exemplo ao tomar uma decisão para manter sua dignidade e seu respeito. Em homenagem a ele, deixo abaixo o relato completo de seu desabafo.
Relato de Kaio César na íntegra
“Pela repercussão do caso e número de mensagens que venho recebendo, ao passo que agradeço todo o apoio, esclareço aqui meu motivos para pedir demissão ao vivo do Sistema Verdes Mares. Sobre qualidade e defeito, um dia me disseram que há cargos cujos profissionais, para ocupá-los, precisam ter os dois, especialmente o segundo. Uma espécie de código real e não oficial, situado nas camadas baixas da honra e envolvido por conceitos tanto arrogantes quanto ultrapassados: ‘diz-me teus defeitos que eu fabricarei tuas qualidades’. Talvez seja tarde, mas hoje digo sob absoluta convicção que o que ouvi não era um pensamento vão, mas realidade comum e incontestável.
Em quase onze anos de empresa – cheguei aos 17 de idade – cometi, lógico, muitos erros. Todos, no entanto, no âmbito profissional, ainda assim julgo ter passado bem, sem qualquer falta grave. Nunca um erro de ordem ética, no sentido de diminuir algum colega enquanto pessoa, por exemplo, ou assediá-lo moralmente. É só ir atrás e você vai ver que mantive minha linha, com retidão. Jamais ofendi a honra pessoal muito menos a família de alguém no meio de uma redação, outro exemplo. Fizeram isso comigo. E fizeram mais.
Darei apenas um nome, uma vez que os outros, de cargos menos elevados, cometeram falhas, acredito, mais por ter a proteção dele do que por maldade, simplesmente. E quanto a esses outros, já tratei dos problemas pessoalmente, então caso resolvido. Mas, quanto ao hoje diretor Paulo César Norões, eu preciso não me calar e encarar qualquer consequência e até retaliação. Me apunhalou por muito tempo.
Arrogante, ele nunca soube lidar com quem pensa diferente, principalmente os que julga inferiores. E eu, por ter raízes, convicções – políticas e esportivas – e personalidade extremamente opostas nunca fui respeitosamente aceito por ele. Lembro-me que um dia, no meio de uma reunião do esporte, quando era nosso editor-chefe, mandou-me ‘tomar no cú’ por ter discordado dele. Curioso é que pouco antes, quando eu ainda estava na na TV Diário, outra emissora do SVM, ele havia tentado me barrar da cobertura da Copa das Confederações sob a alegação de que eu era ‘tímido demais’, nas palavras do diretor Roberto Moreira, diretor da TV Diário.
Roberto Moreira, aliás, apesar de amigo pessoal do PC, sempre foi muito correto comigo. Foi ele quem me abriu as portas dentro da empresa, me defendeu e me deu grandes oportunidades. Até quando tomou alguma atitude que me prejudicasse, procurou agir com decência e lealdade. Devo a ele gratidão e respeito. Espero que seja sempre assim.
Pois bem, depois da Copa das Confederações, com a ida de Antero Neto para o Rio de Janeiro, surgiu uma vaga na TV Verdes Mares. O próprio Roberto Moreira me chamou e, por três vezes, insistiu para que eu fosse conversar com PC a fim de ganhar uma oportunidade na principal emissora do estado – a esta hora PC já tinha achado um substituto em Fábio Pizzato, que passou a narrar os jogos. Eu relutei porque imaginava que ele, Roberto, estivesse me testando. Só após o quarto pedido tomei coragem de me dirigir ao PC, que disse não ter vaga. Ocorre que, quando Roberto soube da resposta, imediatamente entrou em contato com o diretor da TV Verdes Mares, Marcos Gomide e, poucos dias depois, eu estava ocupando a tal da vaga, já existente.
O tempo foi passando e os movimentos estranhos continuaram. Outra vez foi no Bom Dia Ceará, onde eu era o substituto do Marcos Montenegro. Quando estavam preparando a saída do Marcos para o CETV2, veio a informação de que outro profissional, então estagiário, ocuparia o lugar. Curioso é que, poucos meses antes, a Lianne Quezado, editora-chefe do Bom dia e uma das pessoas mais profissionais e corretas que conheço, tinha me falado sobre muitos elogios feitos à minha desenvoltura dentro do telejornal por uma equipe da Globo, que comumente vai às afiliadas avaliar o padrão jornalístico. Não fiquei calado e disse diretamente ao PC que aquela atitude era uma ‘sacanagem’ comigo. Foi aí que o diretor Marcos Gomide interferiu e me confirmou no bloco de esportes do Bom Dia, dizendo, segundo me afirmou Fábio Pizzato, a seguinte frase: ‘Kaio é um talento que a gente não está aproveitando’.
Mesmo pouco depois saindo da editoria de esportes para ser um dos diretores do SVM, PC continuou interferindo nos assuntos do esporte dentro do grupo. E um dos projetos desenvolvidos logo após ele assumir o cargo que era do pai, Edilmar Norões – saudoso e de respeitosa memória – foi o projeto dos ‘Craques da Verdinha’, sob coordenação de Antero Neto e sob o rótulo da renovação. Para minha surpresa, mesmo tendo inclusive entregado um projeto – até os jingles da equipe são com minha letra, umas em parceria com Antero Neto – do qual muitas ideias foram aproveitadas e já sendo narrador da Rádio Verdes Mares desde 2008, fiquei inicialmente de fora. Só entrei depois da desistência de Bosco Farias, ainda assim, só para constar, com um dos menores, se não o menor salário da equipe. E tudo isso eu vinha denunciando.
Ainda em relação à rádio, num evento mais recente, durante a Copa da Rússia, Antero Neto, meu amigo e conterrâneo, teve uma atitude digna. Vendo que eu não estava narrando nenhum jogo do Brasil, me sugeriu narrar o último da primeira fase, único até então garantido de acontecer na capital russa, onde eu estava baseado. Para minha surpresa, ato contínuo do Antero: ‘Mas o PC não deixa. Embora eu não concorde, ele disse para eu narrar todos os jogos do Brasil e que eu sou o sucessor do Gomes Farias’. Daí eu indaguei, só por indignação: por que narramos juntos os jogos do Brasil na Copa América de 2011? E porque ele vem me elogiando tanto no grupo em meio a tantos diretores? Dissimulação? Fiquei sem resposta e continuei, com a força da gratidão, narrando os outros jogos.
Tudo isso foi ocorrendo em combinação com outros acontecimentos, que não posso reputá-los todos ao PC Norões, mas, por tudo isso que já relatei, seria natural pelo menos desconfiar que alguns tenham interferência dele.
Para me ater apenas ao que se refere à narração esportiva, inicialmente me tiraram dos jogos do Premiere Futebol Clube, onde narrei, se não me falha a memória, quatro jogos em três anos e depois de muita briga, mesmo sendo o titular da afiliada da Globo no Ceará. Depois, me tiraram da rádio, alegando, pasmem, que minha saída era para que eu pudesse me dedicar aos jogos do PFC, sendo que depois voltei pro rádio para tapar buracos e sem o salário que eu lá recebia.
Por último, fui perdendo espaço também nas transmissões da TV Verdes Mares. O motivo? Tive que folgar obrigatoriamente dois domingos no mês. Apesar de absurdo do ponto de vista da rotina jornalística – muito mais do esporte, que trabalha essencialmente às quartas e domingos – tudo bem. Se é uma norma da empresa em acordo com o Ministério do Trabalho, o jeito é acatar. Mas, por que há contratos diferentes que não exigem isso? Mais uma vez fiquei sem resposta.
Por último, deixei para relatar o mais grave, que foge sobremaneira da esfera profissional. Em meio a tantos fatos que configuram perseguição, certa vez PC Norões se dirigiu à mim e proferiu ofensas à minha família que não as repito aqui porque tenho dois filhos, entre eles uma enteada, e poderia expor pessoas que não tem nada a ver com a história. Só adianto uma coisa, não tem nada a ver com traição da minha mulher, como inventaram de ontem pra hoje.
E foi assim que pouco a pouco me escantearam, sem qualquer pudor ou respeito por mim, um profissional que se dedica há tanto tempo à mesma empresa, e que foi avaliado como sendo de ‘bom caráter’ ao ser promovido de uma emissora a outra dentro do SVM.
Sobre as imagens que ilustram esta postagem, são números do futebol da TV Verdes Mares, especialmente dos primeiros meses do ano, quando entramos no ar com maior frequência. Considerando todas as transmissões das afiliadas da Globo no Brasil, a Verdes Mares foi a que mais cresceu em 2018. E isso foi mostrado num evento da própria Globo, em São Paulo. Motivo de orgulho!
Agora vejam e reparem nos meus números e tirem suas conclusões. Não quero dizer, com isso, que sou melhor ou pior – não é essa minha indignação. Quero apenas constatar que as pessoas aprovaram meu trabalho, que foi construído ao longo de, ao todo, 15 temporadas da minha vida. Hoje sou um narrador de rádio e TV que, aos 28 anos, tem 3 Copas do Mundo, 2 Copas América e 1 Copa das Confederações, currículo raríssimo no Brasil para alguém da minha idade.
Recentemente, diante de todos esses problemas, cheguei a pedir minhas contas ao Marcos Gomide, diretor da TV Verdes Mares. Ele me pediu paciência e a única coisa que aconteceu foi aumentar o salário por um lado e tirar as horas extras por outro. Ou seja, ficou na mesma.
Fora dos jogos do PFC, passei a não receber mais cachês – que, por sinal, já avisaram que não serão mais pagos aos profissionais que trabalharem neste ano; fora da rádio, meu salário foi reduzido em quase 3 mil reais, sem falar no corte das horas extras. Quanto ao desgaste emocional, as pressões me deixaram no chão. Na Rússia, encarei uma crise emocional tão dura que, por Deus e pelas pessoas que amo, reconsiderei fazer o pior.
Apesar de tudo, preciso agradecer. Sou profundamente grato ao Sistema Verdes Mares pelas oportunidades que tive, embora nos últimos anos, o diretor citado tenha insistido em me tirar do páreo. Aproveito e pontuo aqui minha gratidão à outra pessoa, o mestre Tom Barros, que sempre esteve à minha disposição. Da mesma forma, faço saudações a todos os colegas do SVM e de outras empresas que, de alguma forma tenham me ajudado e que podem estar passando por algo parecido. A Mirela Forte, minha esposa, por exemplo, foi demitida um mês depois de voltar de licença maternidade, recebendo a notícia de que voltaria em breve. Alguns meses depois, foi decidido que não iriam mais contratar cônjuges de funcionários.
Disto isso, diante do paradoxo dos resultados que apresentei com meu trabalho enquanto narrador esportivo – minha principal função e motivo pelo qual me dedico ao jornalismo – e os problemas que enfrentei nos bastidores durante esses anos, humilde e despretensiosamente chego a uma conclusão: as qualidades necessárias para narrar no Sistema Verdes Mares eu possuo, mas os defeitos ideais para me manter no cargo, estes me faltam”.
Kaio César